10/03/2014

Marta e os (wonder) pexinhos (ou porque é que não volto ao sushi)

No dia de Carnaval, só o céu mascarado de cinzento, fui pela primeira vez na minha vida ao Oceanário.
Sim, é verdade. Está lá deste 1998, a chatice feita numa fila gigante só, a Expo, a enorme garoupa que abocanhou o tubarão bebé, qual mito urbano. Mas nunca, nunca tinha ido.
Depois de um almoço tardio no Caís da Pedra, um hambúrguer de grão e cenoura em bolo do caco de alfarroba acompanhado de batatas doces com mel e alecrim e um homemade ice tea, uma certa e determinada pessoa teve a enorme generosidade e pachorra para me arrastar para o Oceanário, convicto que eu adoraria. Não sem antes gozar comigo quando eu, no meu segundo dia de vegetariana, arrematei o dito hambúrguer veggie com um "não é mau!". De me perguntar se eu também já não comia peixe e de se ralar com as proteínas e a minha dieta - estou com uma anemia demasiado prolongada, glóbulos pouquinhos, pouquinhos, o que me deixa de bofes de fora mal subo uns míseros degraus. E de me ouvir queixar do aprisionamento dos peixinhos num aquário-circo-para-as-delícias-de-quem-vê-e-pobres-dos-peixes-presos-em-vez-da-liberdade-oceânica.


Adorei o Oceanário. Claro que tive o melhor guia de sempre, sabedor de tudo e alguma coisa mais sobre os ditos barbatanudos, nomes, espécies, origem. Por mim ainda lá estava - até porque aquilo é um bocado labiríntico, a cada voltinha no carrossel achava que já tinha visto os peixes do Atlântico, mas-espera-que-estes-agora-são-do-Índico. Mas é triste perceber porque é que o Oceanário de Lisboa, um dos maiores e melhores do mundo, disse-me o meu guia, é absolutamente pedagógico. Eis as razões:

1) A enorme concentração de pais burros e ignorantes, que nem se dão ao trabalho de ler as placas explicativas para puderem dizer alguma coisa de jeito e responder às perguntas dos filhos:
Filho de 4 anos: "É um monstro, mãe!"
Mãe: "Pois é filho, é um monstro..."
Filho de 4 anos: "É um monstro, pai!"
Pai: "É um monstro, um peixe-monstro"
Filho de 4 anos: "Como é que o monstro se chama, pai?"
Pai: "Aaaahhhhh... monstro?... aaahhhh... este senhor deve saber..?"
Certa e determinada pessoa: "É um peixe-lua"
Pai e Mãe: "Aaahhh! É um peixe-lua!!!"

Juro que o diálogo é verdadeiro. É só ler com o timbre vocal de total idiotice que a minha escrita permite descortinar. Eu só abria e revirava os olhos, e zurzia "raios, está aqui uma placa, é só lerem". Mas isto repetiu-se muitíssimas vezes durante aquela tarde. Não sei se o meu-certa-e-determinada-pessoa tem ar de Santo António (se fosse um destes paizinhos, agora teria de acrescentar "por causa do Sermão aos Peixes, em 1654", mas não é o caso, pois não ilustre leitor?) ou de génio dos Oceanos. Sei que aquela gente nem os tubarões identificava com precisão. E os miúdos, coitados, avidos e curiosos... a absorver a ignorância, pasmarrice e preguiça intelectual dos progenitores.


Mãe brasileira: "Vamo ver ais focáis!"
Pai brasileiro: "Vamo!"
Eu (antes que a filha assumisse que a Micas e a Maré, filhas do Eusébio e da Amália, eram focas): "São LONTRAS!"
Mãe brasileira: "Aaahhhhhh... são lontraís! Qual a diferença?"
Pai brasileiro: "Não são peixe, nê?"
Eu (capaz de os atirar à água gélida): "Têm muito pelo, as focas têm pele. E são mamíferos, claro que não são peixes".
Sonoro "aaaahhhhhhhh". Nunca ouvi tantos "ahhhhhhh's" concentrados no tempo.



2) Os portugueses são uns preconceituosos que não se aguenta. Ai pois são.
Eu adoro animais. Sou mãe de um cão, uma cachorra, duas gatas... Adorava ter um porco. Dá-me igual se os bichos têm pelo ou escamas (a não ser no caso dos répteis-que-rastejam-aos-zigue-zagues-e-cujo-nome-nem-sou-capaz-de-dizer, e que apelido de "bicho ruím", tenho uma fobia do demónio e já deixei de visitar países à conta das sacanas). Sentei-me no chão em frente ao aquário grande a falar com os peixes, as mantas, as raias, os tubarões, as corvinas. Punha as mãos no vidro, como se eles me vissem, e fazia vozes e canconetas. Sim, parecia uma miúda, and so what? Não há nada mais saudável do que soltar a criança que há em mim, quando não é inoportuno. Mas ficava tudooooo a olhar para mim como se fosse maluquinha. A não ser os miúdos e os turistas dos estrangeiros.




3) Os portugueses são absolutamente incivilizados, e pelam-se por uma desobediênciazinha. Aliás, a tudo o que se possa acrescentar um "inha" ou "inho", fica logo adorável para o portuguesinho-coitadinho.
Tudo a flashar os peixes. Não interessa nada que haja por todo o lado sinais e placards a apelar educadamente ao civismo. Os peixes assustam-se. E, ignorância, aqueles aquários são de um vidro de tal espessura que a única forma de conseguir fotografar os peixes no interior e SEM FLASH. Mas não. Tudo a flashar os peixes. Nem o nosso ar incomodado, e eu a dizer, já quase a gritar, na constância, que "não se pode usar o flash aqui dentro!" fazia nada pelos barbatudos. Talvez um encontro à esquina com um simpático tubarão os ajudasse?

Como sou uma rapariga já crescidota, e que aprendeu algumas lições da vida, relativizo muito tudo e algo mais, e não foi a parvoeira circundante que me impediu de degustar cada segundo daquela experiência. De facto o Oceanário é lindo, os peixes são tão bem cuidados, e os pinguins e as lontras e os pássaros, e é muito pedagógico - porque se os miúdos não sabem que os ovos vêem das galinhas, os pais não sabem que um peixe-lua não é um monstro submarino. E se já não aguento, de enjoo, a ideia de trincar um bife, não sou capaz de comer peixe. São de sangue frio, são. Mas são menos bicho que um cão, um porco, uma vaca? Não. não fazem truques, mas são espetaculares. E muitíssimos estão a ficar extintos, apesar de não ser possível abandoná-los na rua à sua mercê. Ontem (domingo), comi uma salada com camarões e morria de remorsos. Até que, ao terceiro, não consegui comer mais. Faz-me bem à saúde? Amanhã vou a um nutricionista. Logo vos direi. Mas há uma coisinha que me faz muito bem à higiene (e saúde) mental: ser coerente com aquilo em que acredito. Há muitas formas de respeitar a vida e os animais. A minha tenta fazer o pleno possível.

É isto.

Hambúrguer de grão e cenoura em bolo do caco de alfarroba, no Caís da Pedra...
(vão dizer-me que tem mau aspeto, querem ver...?)

... acompanhado com batatas doces cozidas, com mel e alecrim
(eu a-d-o-r-o batatas fritas, mas cozidas são mais saudáveis, mel é bom para a saudinha e alecrim faz bem a um sem número de coisas... tem mau ar, por acaso? tem, tem?)


Créditos fotográficos: Afonso Azevedo Neves.


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