19/03/2014

A morte fica-nos tão mal, L'Wren Scott

 Em Portugal certas coisas, mesmo muitas coisas, passam ao lado da vida noticiosa. Mas se tiverem uma obsessão pelo Boing 777/MH307 da Malaisan Airlines, que desapareceu há 12 dias, já não aguentarem mais obrazinhas noticiosas do Passos Coelho, e portanto virem apenas a CNN, sabem, desde as Breaking News, que a fashion designer norte-americana L'Wren Scott apareceu falecida, ontem. Quanto mais não seja porque a belíssima LS era a namorada de uma década do mítico vocalista dos Rolling Stones, Mick Jagger. E, aparentemente, não morreu de morte morrida ou matada. Ter-se-a suicidado, e para tal ter-se-a enforcado.
Com 49 anos, uma super carreira como top-model, umas enormerrimas pernas, alta e cheia de estilo, designer favoritti de musas Hollywoodescas e Primeiras-Damas e, ainda por cima, namorada do Mick Jagger, é inevitável: não era esta a vida perfeita, o corpo perfeito, a profissão perfeita, o casalinho perfeito? Não. Claro que não. A imperfeição toda da sua vida levou-a a abandoná-la de uma forma violenta - em 90% dos casos, as suicidas opta por comprimidos, a mais clean e organizada forma de morrer (e os homens optam por coisas bloody e desarrumadas, tiros auto-infligidos, mergulhos para o precipício, linhas de comboio). Primeiro erro na nossa tão judgmental forma de viver: não, ela não tinha tudo. Não. Ela não era feliz.
Segundo erro de julgamento preconceituoso, que já ouvi: foi coca. Cocaína. Se o Seymour Hoffman foi um cocktail, esta foi de linha. Erro. Lá que psicotrópicos a rapariga consumisse, ninguém teria nada a ver com isso.
Então? A empresa de L'Wren Scott estava desfeita. Vestiu todas as A-List Stars, a Oprah, a Michelle Obama. Mas em 2012 já acumulava dívidas, os fornecedores dos maravilhosos tecidos que esculpia falhavam-lhe todos os prazos, não encontrava parceiros de negócios decentes. O ano passado saia uma maravilhosa colecção nascida da colaboração L'Wren Scott-Banana Republic, e a depressão agravava-se às suas profundezas. Parece que queria aquilo que dizem que todas queremos, o trio-maravilha marido-sucesso-filhos, o Mick já tinha muitos - filhos e casamentos. A falência estava iminente, com quase 8 milhões de dólares de dívidas. E o looping de sentimentos, impotência, frustração, dúvida e sensação de falhanço e afundar a que uma depressão nos sujeita, terá sido simplesmente demais. E depois vem os preconceitos versão-ponto-três: eh pá, o Mick pagava. Pelos vistos não.

Claro que a moral da história parece mesquinha e lugar comum: a felicidade não se compra (nem o Mick Jagger consegue comprar para a namorada). Mas a moral não é essa, realmente. É esta: a depressão é das doença mais democrática, etária e socialmente transversal que existem. O cancro também - mas se se diz de alguém que morreu de "doença prolongada" (porque fica mal dizer que foi cancro), nunca se ouviu ninguém dizer que outrem morreu na sequência de depressão prolongada. Que vergonha.
Eu sei muito bem do que falo. Foram muitos anos, uma década quase. A imobilidade, inoperacionalidade a que uma depressão nos remete é tão gigante e avassaladora, mesmo quando se finge a total funcionalidade com primor.
As vezes e minutos que passei ao telefone com a minha irmã do outro lado, eu a chorar compulsivamente porque não via como sair daquele estado, e ela a dizer-me "mas o que é que eu posso fazer? diga-me por favor", e eu não sabia, nem sabia o que é que eu estava a fazer, e quase levitava sobre a cena e racionalmente nada fazia sentido, mas ali em baixo doía tudo e se calhar a solução era desistir mas-espera-a-Kitty-está-a-ronrronar-no-meu-peito-aguento-mais-um-dia... Numa versão muito portuguesa e modesta, havia tanto quem pensasse que a minha vida era a perfeição e o joie de vivre. Um dia, no limite do suportável, era Deputada, quis sair do armário e assumir que tinha uma depressão. O meu psicoterapeuta quase me mandou internar, agora é que era. Nem pensar, se não morria da doença, morria da cura, ia levar porrada por todos os lados, ninguém saberia lidar com esta informação e a tendência para minimizar e ostracizar é muita. Meti para dentro e calei-me. Acho que fiz muito mal.
Não, não se trata de não perder uma oportunidade de falar nisto porque sim, coitadinha ou lá-vem-aquela-justificar-os-maus-momentos. Estou-me nas reais tintas para a trupe dos "coitadinha" e dos que acham que lhe devo alguma coisa. Gostava era que toda a muita gente que anda por aqui a lidar com esta porcaria desta doença pudesse contar com os outros, e não com o seu olhar desconfiado e cobarde. Porque aquilo que o humano não compreende, o humano afasta da sua órbita.

Acho que um mulherão como a L'Wren Scott, que desenhava coisas lindíssimas e que (para quem goste do género) tinha a sorte/azar de ter aquele namorado, devia viver até aos 149. Ela vestiu a Sarah Jessica. Ela vestiu a Nicole Kidman, a Oprah, a Madonna. Ela vestia amiúde a Christina Hendricks, do Mad Man, aquele mulherão de peitaça e anca larga que quer lá saber se acham que ela é curva a mais. Por paixão a um vestido dela, a Primeira-Dama dos USA e a Sarah Jessica vestiram o mesmo modelito, aquele no no que ninguém quer ter no curriculum.
E sabem que mais? Quando a L'Wren vestia estes vestidos todos, ficavam-lhe muito melhor do que a elas todas. Há um ano, a sua colaboração com a Banana Republic era aclamada - eu vestia tudinho.
Se valia a pena ficar por cá? Valia, claro. Ao menos alguém a tivesse conseguido amparar e dizer que aquilo passava.


A colecção com a Banana Republic (L´Wren Scott ao centro): U-A-U

O infame vestido que seduziu Michelle Obama e Sarah Jessica Parker

La Sarah Jessica, num L'Wren Scott icónico |
Nicole Kidman e Jennifer Lawrence em L'Wren Scott's tubo, em golden nude,
completamente dentro das tendências da próxima estação
 apesar do par de aninhos.
Christina Mad Man Hendricks, mulherão de curvas assumidas

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