18/02/2014

And happiness is... (Destruir lugares comuns)

Chegada a casa depois de um dia - pode dizer-se - feliz (embora a bela constipação + ataque de sinusite que me ataca não traga felicidade a ninguém), faço o corriqueiro exercício de coscuvilhice virtual e passo os olhos na página inicial do "meu" facebook. E encontro, pela pena da minha amiga Inês Guimarães Correia, uma pessoa super positiva por vocação, um link para um artigo de um tal de Huffington Post, com o genial título This Is Scientific Proof That Happiness Is A Choice. Trocando por miúdos e roubando a tradução à Inês, a autora baseia-se na Psicologia Positiva e daí faz um elenco de "8 caminhos para assumir o controlo sobre a sua felicidade".
Eu sou conhecida por ter opiniões, por ser até um pouco achista (acho sempre alguma coisa sobre quase tudo, gosto de ginasticar as pequenas células cinzentas, como dizia o Poirot) e face à minha experiência, olhei para o dito elenco e fiquei danada. Que chorrilho de disparates. Mais disparatado que tudo é achar que há uma qualquer lista universal rumo à felicidade suprema. Não é um elenco de prioridades, nem é suposto colocar todos os passos em prática por uma dada ordem. Mas ainda que sejam caminhos indicativos, são realmente disparatados ou simples lugares comuns. 
Ora vejam.

Faça simplesmente o esforço de tentar ser mais feliz 
Não há como discordar, tão comum é este lugar. Quem se sente derrotado, carregado de negatividade, quem acha que não há como ver a luz ao fundo do túnel porque o túnel colapsou, está lá encurralado e não há como sair, pois dificilmente será apto a experimentar bem-estar, realização e momentos de felicidade. Quem desiste, não vai a jogo, não marca golo. É uma lei da vida, e vale para tudo.

Faça da felicidade o seu objectivo n.º 1 
O MAIS REDONDO DISPARATE DE ENTRE TODOS OS DISPARATES DO MUNDO QUE JÁ É BEM DISPARATADO.
A felicidade não é uma meta, é demasiado diluída para acharmos que é um fim em si, quando é o princípio e o meio e tudo. Ser-se feliz não se alcança por fixação de objectivos: é todo um processo que conduz não à felicidade, mas à aptidão, à capacidade ao saber aproveitar a felicidade quando ela se experimenta. A única meta que vale a pena procurar é um ponto de equilíbrio nas nossas existências - aquele em que identificámos as causas dos nossos problemas (mentais e práticos), dispusemos-nos a tratá-las, aprendemos a relativizar o que nos atinge, preocupa e ocupa, abandonámos os locais onde fomos infelizes e de mente limpa e clara, sabemos para onde caminhar. É este equilíbrio que nos torna capazes de experimentar a felicidade e de estarmos bem connosco. Depois, seremos ótimos para os nossos, para os outros. Este processo, que nos dá equilíbrio (noção do bom e do mau para nós), faz de nós capazes - e na minha opinião, obrigados a - de levar bem-estar aos outros. Lembram-se do anúncio da marca de leite onde se dizia "Se eu não gostar de mim, quem gostará"? É ISSO MESMO.

Os pontos seguintes são tão disparatados, tornam-se tão vulgares quando colocados deste modo pseudo-meta-filosófico-existêncial, tão impregnados daquela maniazinha norte-americana de trazer sempre a religião debaixo do braço, que a minha veia argumentativa precisa de protestar e desmontar.

Estar atento às coisas boas que nos acontecem.Coisa que só um absoluto palerma não faz. Toda a gente está atenta ao que de bom lhe sucede; o que acontece É QUE NEM TODA A GENTE COLOCA EM PERSPECTIVA E VALORIZA DEVIDAMENTE as coisas boas que lhe acontecem.


Treinar a atenção plena através de meditaçãoSe as pessoas fizerem exercício já é uma sorte. As benesses de praticar exercício físico e colocar a cabecinha a produzir seratonina da boa (a base de todos os anti-depressivos, o químico que o nosso cérebro faz o organismo produzir e que nos faz sentir bem). Meditação é uma prática maravilhosa, mas que reclama ensinamentos e uma aprendizagem que não é nada simples.Aliás, A MEDITAÇÃO SERVE PARA DESLIGAR, E NÃO PARA TREINAR A ATENÇÃO, PLENA OU CURTA.


SorrirBOA!!! Que tal começar por aqui, que é fácil, é barato e pode dar milhões de minutos de bem-estar?! Por os músculos faciais a ginasticar e o cérebro a comandar a produção dos químicos bons. E até pode ser um sorriso fajuto, o simples ato de simular o sorriso já faz 70 por cento do efeito.

Praticar gratidãoSim, claro. Digam-me lá: uma pessoa que esteja lá no túnel colapsado, está grata a alguém por alguma coisa? Uma pessoa mergulhada numa depressão séria agradece a alguém que a ajude (quer mais é desaparecer e ser deixada sossegada no seu canto escuro)? Uma pessoa frustrada com a vida que leve, agradece o quê a quem? A gratidão flui naturalmente de dentro quando estamos equilibrados. O resto, é o "sinto-me obrigado a agradecer" - que é o significado íntegro da expressão "Obrigado/a" que usamos todos os dias e nem sabemos.


Autorizar-se a ser felizCom toda a certeza, estou autorizada. E agora? Já está, já está? Claro que não está. 

O que a autora gostaria de ter dito seria algo como SEJA POSITIVO, PROCURE ACREDITAR MESMO QUE TUDO SEJA UM NEGRUME E NÃO SINTA QUALQUER PONTADA DE ESPERANÇA. Quem se entrega à vida derrotado, não espere dela sequer palmadinhas nas costas.
Praticar compaixão - é o estado emocional que dá mais felicidade ao ser humano, daí o voluntariado e o rezar pelos outros/desejar-lhes bem, ser tão importante para a nossa própria felicidade.Eu não pratico compaixão nenhuma. Eu amo as minhas pessoas, gosto de pessoas, e dou de mim. Não é por compaixão alguma: fazer alguém feliz induz em nós uma enorme sensação de partilha, conforto, realização e alegria e, logo, faz-nos sentir felizes. Mas PARTILHE SEM TER ENCONTRADO O SEU EQUILÍBRIO E A ÚNICA COISA QUE VAI ESPALHAR É O QUE O/A DESEQUILIBRA A SI. É que não há margem de erro: PARA DAR, É PRECISO TER. Senão, confundimos tudo, com egoísmo.


Não sou nem tenho a mania de ser uma Guru do bem-estar, Papisa da auto-ajuda e do auto-conhecimento. Mas isto, porque encontrei o meu equilíbrio a duras teimas e penas, posso afirmar: comecemos por sorrir ao acordar, a acompanhar um belo espreguiço. E que tal sorrir às pessoas que encontramos fugazmente todos os dias e a quem damos a nossa cara mais carrancuda? O segurança da empresa. A senhora que tira os cafés. A caixa do supermercado. Depois, tem de se acreditar, haja o que houver, que vai passar, que vamos conseguir, que é possível. A fé religiosa ajuda muito, mas se não a tem seja mesmo é positivo. E depois faça um Closet Cleanning dos ficheiros mentais que guarda no armário que é a nossa cabecinha. Se não sabe fazer, peça ajuda. Olhem para mim, anos de psicoterapia, yoga, meditação, reiki, medicina quântica. Ajudou, garanto.
É que, meu amigos, ou tivemos uns pais muito equilibrados e resolvidos, ou não crescemos equipados com as ferramentas necessárias para nos sentirmos felizes. Mas lojas de ferramentas é o que para aí não falta. 
Só mais uma coisinha: ninguém É feliz. O verbo é outro, não é SER. É SENTIR. A felicidade sente-se.

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